terça-feira, 25 de julho de 2006

fonte : www.spoiler.blogger.com.br
"The Wind That Shakes the Barley"
Ken Loach

Palma de Ouro Cannes 2006















Homens unidos pelo esporte que, pouco depois se matam uns aos outros. Prisões em massa e rajadas de balas. Cadáveres deitados na planície irlandesa. Em "The Wind That Shakes the Barley" (título que pode ser traduzido como "O vento que balança o pé de cevada"), o cineasta britânico Ken Loach, 69, retrata a rebelião da população pobre da região de Cork, na Irlanda do Sul, durante os anos 1920, contra o opressor inglês; trata da formação do Estado irlandês livre, assim como das lutas fratricidas que este avanço político desencadeia entre nacionalistas e socialistas. O Festival vive um momento de emoção: aqui está (finalmente!) o primeiro grande filme de Cannes.

Não é a primeira vez que Ken Loach se interessa pela causa irlandesa. No início dos anos 70, o roteiro de "Wednesday Plays" foi recusado pela BBC. Em 1976, o cineasta conseguiu então abordar o conflito numa série televisiva, "Days of Hope" (Dias de esperança): Nela, Ken Loach denunciava o papel repressor do exército britânico no solo irlandês assim como os proprietários ingleses que enriquecem em detrimento do povo há séculos.

Em 1981, um dos heróis de "Looks and Smiles" (Olhares e sorrisos, o seu 5º longa-metragem) tentava convencer seu colega a se alistar junto com ele no exército, no Ulster. Depois, veio "Hidden Agenda" ("Agenda Secreta"), em 1990, um thriller que estigmatiza os métodos da polícia britânica na Irlanda do Norte. Na época, as autoridades inglesas não apreciam nem um pouco a presença deste filme em Cannes. E os tablóides então ironizaram o fato, deplorando a seleção de um filme que argumenta em defesa da causa do IRA (sigla de Irish Republic Army - Exército Republicano Irlandês).

Assim como ele fizera em "Black Jack" (1979), um filme picaresco ambientado no século 18 e destinado ao público jovem, e em "Land and Freedom" ("Terra e Liberdade", 1995), dedicado à guerra da Espanha em 1936, Ken Loach, o campeão da crônica das lutas populares contemporâneas, realiza aqui um filme histórico. Nós estamos em 1920, no momento em que camponeses se unem para formar um exército de voluntários contra os temíveis Black and Tans (literalmente, "negros e bronzeados"), tropas inglesas enviadas para domar as veleidades de independência do povo irlandês.

Contudo, nunca se tem o sentimento de estar assistindo a um filme em trajes de época. "The Wind That Shakes the Barley" é uma lição contemporânea. A descrição dos atos de violência do ocupante contra pessoas cujo único defeito é de desobedecer à proibição de promover e participar de reuniões públicas - jogando hóquei, por exemplo - é cativante. Muitos já se esqueceram de que os ingleses eram animados por um ódio e uma brutalidade tão grandes. Vendo o comportamento desses uniformes que insultam, arrotam, humilham e executam a sangue frio, é fácil fazer um paralelo com um regimento de marines em cruzada contra um Mal fantasmático. Quando vemos esses monstros histéricos perseguirem sem trégua suas presas desarmadas, como não pensar nas torturas praticadas por tropas anglo-saxônicas com prisioneiros iraquianos?

Em virtude de qual estoicismo os irlandeses assim maltratados não acabariam se insurgindo um dia ou outro? O que Ken Loach conta com grande maestria é como esses homens, exaltados ou moderados, medrosos ou temerários, sejam eles intelectuais ou fazendeiros, se rebelam contra um poder liberticida, a despeito das suas diferenças, por instinto de sobrevivência, unidos naquilo que acaba se transformando numa luta de classes, uma guerra do trabalho, uma reação desesperada contra a fome e em prol da dignidade.

Os republicanos irlandeses formam uma frente comum que Ken Loach compara implicitamente com aquela que hoje reúne no Iraque interesses divergentes contra americanos e britânicos e que, uma vez que os ocupantes indesejáveis terão desaparecido, redescobrirão suas diferenças.

Volta e meia, alguns acusam Ken Loach de ser demasiadamente demonstrativo. Mas seria mais o caso de elogiar antes seu senso da pedagogia, sua recusa do simplismo.

À medida que o tempo vai passando; à medida que a luta armada se intensifica; que as represálias e as execuções respondem às emboscadas e aos seqüestros; e, mais tarde, no momento em que o tratado que cria o Estado livre da Irlanda incentiva alguns irlandeses a vestirem, por sua vez, o uniforme dos guardiões da ordem, o cineasta passa a se dedicar à descrição das lutas internas do povo irlandês, no meio da quais ele destaca a cisão no interior do movimento revolucionário.

Assim, dentro de uma mesma família, descobrimos dois irmãos que, após terem combatido sob a mesma bandeira, se transformam em inimigos - o primeiro no campo dos que querem se submeter à Coroa britânica (e que defendem que o Estado "livre" deve prestar juramento perante o rei da Inglaterra), e o segundo aderindo ao clã dos irredutíveis.

Foi assim que aconteceu. E, nesta nova apologia do coletivo, não se pode dizer que Loach impõe um discurso óbvio, redundante ou parcial. Ele retrata uma guerra civil e suas atrocidades com uma exemplar recusa da complacência; detém-se no dilema entre humanidade e dever, e medita sobre o incurável desgosto que se sente quando se mata um camarada.

"The Wind That Shakes the Barley" não é um filme de guerra, e sim um filme sobre os dilaceramentos de um povo. Nele, os disparos de armas não ofuscam os debates. Nele, o desastre desses enfrentamentos suscita uma emoção contida e inspira a seguinte imagem final: uma mulher de joelhos, em pranto, diante de uma casa incendiada.

Por Jean-Luc Douin - Le Monde

Um comentário:

CassiO disse...

Caramba, agora quero ver esse filme. Tenho assistido muito filme :S