por: Bruno Reis (outernative.net)
The Arcade Fire - Neon Bible (2007)
Posicione o seu aparelho de som no local certo, seja ele um iPod, um rádio de carro ou um micro system, e prepare-se para embarcar. Pressione "play". Agora, apenas dê um passo à frente. Se for preciso, dê dois, três, quanto precisar. Não é assim tão fácil adentrar este mundo sombrio, onde até as alegrias mais esfuziantes surgem no escuro de um mar sem fim. Pronto. Se quiser, feche os olhos - mas a mente, não. Não feche nunca. Você vai precisar dela no seu passeio pelas novas composições de uma das bandas mais criativas da atualidade: o Arcade Fire.
Neon Bible é a nova fonte de energia de uma turma que se acostumou a ser diferente, a enfrentar o medo e a apatia por meio de um sentimento enegrecido, quase gótico, por mais que muitas vezes suas músicas acabem traduzindo o contrário. O combo canadense sabe fazer com que suas canções se tornem mais do que meros conjuntos ritmados de notas - eles dão a ela elementos mais parecidos com aqueles que sentimos quando amamos, quando somos rejeitados, queridos, ameaçados... sentimentos que músicas nem sempre têm, mas que nós teremos sempre.
O Arcade Fire é uma banda única, mas não é perfeita. Tem lá seus exageros, que às vezes soam menos como exageros e mais como estilo, exatamente por virem de quem vem. É difícil até mesmo tecer qualquer comentário sobre influências ou semelhanças, graças à mistura de velocidade e doçura, escuridão e luz, mar e terra, calmaria e gritos, inglês e francês. Mas, como disse um amigo, em Neon Bible a banda parece ter encontrado dentro de si o elemento emocionante, o seu diferencial - e se jogou, bebeu dele, enfiou-se até o fim.
Diferente do que poderia ser, este encontro interior não tornou o som do grupo falso, nem o fez raso ou mesmo escorregadio. Como prova em canções como Black Mirror, My Body is a Cage e Intervention, o estilo do Arcade Fire continua indelével, indo ao âmago da música com uma abordagem única, um peso que faz descarregar emoções. Este peso, segundo a banda, vem de novas incursões do grupo por instrumentos diferentes, usados de maneira ainda menos usual - no caso, destaque para os órgãos enormes, como os utilizados em óperas, gravados em espaçosos locais fechados: igrejas.
A faceta gospel do álbum da banda canadense não é descartavel. Seja em letras que pedem libertação, seja no fantasmagórico assovio dos órgãos, contínuos e assustadores, ou nos backing vocals que lembram corais de igreja, a alma é o elemento a ser contemplado em uma audição de Neon Bible. É o exemplo da lindíssima Ocean of Noise, da vibrante Building Downtown (Antichrist Television Blues) e até de uma música já conhecida do público, a ótima No Cars Go, presente no primeiro EP da banda e que agora ganha em velocidade e com o diferencial do absurdo que permeia todo o disco.
Neste novo disco é fácil canções com a cara de Funeral, o primeiro álbum, de 2004. The Well and the Lighthouse começa dançante, mergulhada em uma batida que parece se recusar a deixar os anos 80, para depois ganhar ares de uma valsa sombria, que tem uma beleza tão desconexa da realidade que impede comparações. Keep the Car Running é um grito de urgência dos canadenses. Neon Bible, curta canção que dá título ao álbum, é minimalista, como um mantra entoado sem pressa.
Na dobradinha Black Waves/Bad Vibration o início ganha um contorno urgente com a voz saliente de Régine Chassagne. Já o refrão conquista pela levada. A pausa antes do verso seguinte nos prende diretamente no lado obscuro do Arcade Fire, preparando a entrada de Win Butler e sua porção que, segundo o próprio vocalista, é capaz de te levar para o meio do oceano, à noite, observando apenas ao longe alguns pontos iluminados, à espera da onda negra.
De espírito preparado para a enxurrada de sons presente em Neon Bible, entrar comunhão com o disco não é difícil. Complicado mesmo é deixar de ouvi-lo e passar ao próximo álbum da sua lista. Uma banda que chega ao segundo trabalho com uma personalidade tão definida não deve ter maiores dificuldades para se tornar uma das grandes do seu tempo. Vida longa ao Arcade Fire.
Menos experimental que "A Ghost is Born" e o "Yankee" melhor que os três primeiros, mas ainda não consegue bater o "Yankee".
por: António Pinto (apartes.blogspot.com)
Wilco - Sky Blue Sky
Tratando-se de um dos colectivos sacralizados pela crítica especializada norte-americana, mormente depois da edição do seminal e experimentalista Yankee Hotel Foxtrot (2002), os Wilco têm sobre si a responsabilidade de, a cada edição, fazerem o contraponto justo das expectativas à sua volta. E, depois do alargamento do espectro sonoro do grupo com esse álbum (naquilo que foi diversas vezes sobrevalorizado como declaração de purgação estrutural da sua música) e consequente abertura de inúmeras possibilidades de rumo estético futuro para Jeff Tweedy e seus pares (coisa que não é nova para uma banda habituada a mutações subliminares da folk), não estranhou que, nos últimos anos, os Wilco se tenham mantido fiéis ao experimentalismo que deles se esperava. Todavia, não é esse o traço genético essencial da banda (embora tenha sido elevado, de per si, ao estatuto de característica identitária) e, mais tarde ou mais cedo, os Wilco cederiam ao apelo das origens. Nesse particular, o recrutamento do guitarrista Nels Cline - que, com eles, gravara o registo ao vivo Kicking Television : Live in Chicago, de há dois anos - revelou-se uma preciosa adição aos predicados instrumentais, somando ângulos e "realismo" ao som do grupo. Com isso, a par de uma aproximação mais transparente às causas soul, Sky Blue Sky desobriga-se de alguns dislates presentes nos últimos registos (e do pretenso torpor contemplativo que as experiências sonoras sugeriam), marcando uma reaproximação ao rock ligeiro dos 70's, entrecruzado com as substâncias melódicas habituais. Sorvidas as lições inconstantes e abstractas do laboratório, os Wilco repescam a tradição do country-rock e regressam (o que não é, neste caso, sinónimo de retrocesso) à sua orgânica "natural" com a firmeza de quem vê a música (e o seu processo de construção) não como um mero exercício descontínuo de réplica a apetites conjunturais, antes como uma sucessão didáctica de estímulos a que sempre está subjacente um miolo originário e estruturante. E ele volta a ser, neste Sky Blue Sky, o motivo primaz.
Esses dois álbuns são tão bons que foi a primeira coisa que postei depois de muito tempo aqui!
Um comentário:
O do Wilco eu assino embaixo.
Já o do Arcade Fire, bom, pessoal já sabe o que eu penso hehehehe
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